segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Ensaios


Os cantos da casa eram iguais aos cantos de todas as casas antigas: a cozinha virada para um pequeno quintal apertado pelas casas suburbanas de uma cidade interiorana, em um país de terceiro mundo; o quintal era pequeno e espremido, só havia espaço para alguns vasos de plantas e um varal tradicional pendurado na pilastra do puxado de cobertura do tanque. A cozinha era tosca pois ficavam apinhados entre a pia, os armários, fogão e geladeira, além da mesa com as quatro cadeiras, super espremido, o único espaço vinha do alto, pois era uma casa antiga, com o teto alto e o grande pingente do lustre com um globo redondo de vidro, ascendia uma luz opaca, lembro das frituras de marzipan e da última noite que vi meu avô.

Da cozinha saia um corredor, sendo que a esquerda era o banheiro, pequeno mas bem iluminado, os azulejos brancos, assim como as peças de louças antigas, art-decó meio kitsch e parecia um pequeno banheiro de hospital. Mas voltando ao corredor no fim dele a sala, mas no fim mesmo havia um espelho de tamanho avantajado, como a sala era sempre escura, pois a janela e a porta davam para um alpendre interno, parecia que sempre havia alguém passando pelo espelho.

A sala era o ambiente da casa mais espaçoso 3 portas e a saída do corredor que dava para cozinha e o banheiro, uma porta era oriunda do alpendre e como era a garagem do carro com uma porta larga de vidro, ai já a fachada da casa para a rua. As outras duas portas se remetiam para os quartos, o da esquerda bem ao lado do espelho que por vezes sempre parecia passar alguém por ele quando se olhava meio de soslaio. O quarto era dos meus pais e também era bem sinistro, pois a janela ficava voltada para rua, então ela ficava permanentemente fechada, exceto nos dias de faxina, a janela tinha grades e foi dali que uma madrugada eu vi um cometa.

A outra porta era do meu quarto, meu não meu irmão e eu, como ele era mais velho tudo era dele e eu um estorvo ali com um armário no meio e duas camas nos extremos das paredes, a janela não tinha grade e era virado para o pequeno quintal, o quarto era arejado e claro. Foi naquele quarto que pude entender algumas coisas, as primeiras e mais essenciais coisas da vida, muito embora nada disso interessa, exceto pelo fato de tudo isso que está sendo relatado e descrito seja de outra dimensão.

A fachada da casa como já observado era totalmente limitada pela calçada onde as pessoas transitavam, apesar de serem uma rua pequena e inexpressiva, muitas pessoas passava por ali para o ginásio de esporte da cidade que ficava bem próximo a nossa casa. Então, além da grande porta de vidro e da janela do quarto dos meus pais, havia também o escritório do meu pai, era uma janela de vidro que ficava sempre aberta quando meu pai atendia como despachante no escritório, os clientes tinham que entrar no alpendre garagem, que tinha duas portas a da sala e do escritório.

Nesse lugar eu vivi a minha infância até uma noite ouvir meus pais conversando que íamos mudar e ali ficaria só o escritório que precisava ser ampliado, aquilo ficou na minha cabeça, idéia de mudar não era de todo ruim, porém no dia seguinte a essa conversa algo insólito ocorreu.

Por volta das 4 da tarde cheguei da escola e na cozinha meu irmão lanchava e fazia deveres, as pirraças normais entre irmãos; dei-lhe um peteleco na orelha ele levantou com muita raiva, eu corri para o corredor, as opções eram maiores: banheiro, quartos, rua. Meu irmão era mais forte e se me pegasse estaria frito, na corrida rápida rumo ao corredor segui em frente até o espelho, atravessei e sumi. Só me dei conta do sucedido alguns meses depois quando já não morávamos mais naquela casa, meus pais tinham se transformado em outras pessoas e eu não tinha mais um irmão e sim três irmãs, lembro da copa de 70, do gol de Pelé da ditadura e só.

Inauguração

Início das postagens em 15 de janeiro. Aguardem!